Sem adesão, MPL tenta conquistar periferia. Mas não convence

Protestos nas zonas Leste, Sul e Norte não reúnem, juntos, 150 pessoas. Pauta distante dos interesses dessas regiões e trânsito parado irritam trabalhadores



Quando integrantes do Movimento Passe Livre começaram a se concentrar na Praça do Forró, em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo, por volta das 16 horas de terça-feira, o estranhamento entre os frequentadores da região era evidente: a pequena aglomeração de jovens estudantes ensaiando gritos de protesto com instrumentos de fanfarra e pintando catracas flamejantes em faixas pretas chamava a atenção dos que passavam. A perplexidade foi ainda maior quando os cerca de setenta jovens decidiram bloquear, às 18 horas, o trânsito na Avenida Marechal Tito, já caótico no horário, para seguir em caminhada por uma das avenidas mais importantes do bairro. Além da irritação dos motoristas, era visível o aborrecimento dos passageiros dos ônibus, trancados pela manifestação. Em apenas dois dos pelo menos dez coletivos impedidos de circular pela faixa da direita, havia mais que o dobro de manifestantes na avenida. Com seus protestos cada vez mais esvaziados, o MPL tenta agora incorporar a periferia em seus atos. O objetivo é justamente se descolar da imagem de estudantes de classe média e conseguir o apoio da chamada classe trabalhadora, afastando das manifestações grupos mais conservadores, que incrementaram as fileiras dos protestos em junho de 2013. A pauta do grupo, porém, está muito longe dos interesses daqueles por quem o MPL diz lutar. E a "perifa contra a tarifa" fica apenas no slogan. 
A manifestação contra o reajuste de cinquenta centavos na tarifa de transporte público na Zona Leste integrava uma tríade de atos programados para regiões periféricas da cidade para terça-feira. Segundo a Polícia Militar, o de São Miguel Paulista reuniu cerca de cem pessoas, o de Pirituba, na Zona Norte, 40 pessoas – e o do Campo Limpo, Zona Sul, sequer chegou a ocorrer. Desde o início do ano, o grupo, formado majoritariamente por estudantes de classe média, vem tentando obter o apoio da população da periferia, promovendo atividades diárias nessas áreas. Até agora, porém, a estratégia tem se mostrado um fiasco. E a opinião dos moradores da Zona Leste ouvidos pela reportagem explica por que. 
"Deviam estar fazendo protesto contra o preço do alimento, que está caro demais. Você vai ao supermercado e não consegue comprar nada. A passagem já tinha um tempo que não aumentava", avalia a passadeira Cleone dos Santos, de 46 anos, com um panfleto do MPL na mão. "E isso é hora de fazer protesto? Não vejo a hora de chegar em casa. Trabalhei o dia inteiro", completa. Cleone estava no ponto à espera da van que a levaria ao Jardim Mabel, no extremo leste, havia uma hora por causa do protesto. A opinião é partilhada por grande parte dos moradores da região entrevistados. "Você vê o trabalhador com cinco, seis filhos, indo no mercado e não conseguindo pagar nada. Tinham que fazer protesto para abaixar o imposto", reclamou a cabeleireira Deise Silva Santos, de 30 anos. Muitos afirmaram que o aumento da tarifa não interfere tanto na renda, porque recebem Vale Transporte nos locais onde trabalham. Para outros, travar a periferia não causa nenhum efeito, diferente de paralisar o Centro. "Eu não sou contra nem a favor. Mas eu queria saber quantos desses têm carteira [de trabalho] assinada", comentou o vendedor Renato Simões, de 29 anos, que observava a manifestação passar em frente à ótica onde trabalha.
Mesmo os favoráveis ao protesto, como o motorista João Pedro da Silva, de 57 anos, que também esperava o ônibus, disseram-se contrários às depredações que geralmente ocorrem nas manifestações do MPL – das seis realizadas neste ano, apenas duas não terminaram em vandalismo. "Bagunça não. Quando entram os baderneiros, a gente não apoia. Mas protesto bonito assim, eu sou a favor. A passagem está muito cara", disse Silva, morador do Itaim Paulista. O protesto em São Miguel acabou sem incidentes, mas a Polícia Militar precisou destacar cerca de 80 homens, quase o número total de manifestantes, para acompanhar a passeata. Interessados em projeção na imprensa que tanto atacam, os black blocs, figurinhas carimbadas nos protestos do MPL, também não costumam participar dos protestos nas regiões mais afastadas da cidade, apesar de justificarem o quebra-quebra como uma reação à "violência praticada pela PM nas periferias".
Sem a adesão alcançada nas manifestações de junho de 2013, o MPL tem convocado um maior número de protestos, embora menores, para tentar pressionar a prefeitura e o governo de São Paulo a reduzir a tarifa. Sem o respaldo popular, contudo, os governantes têm dado pouca atenção ao movimento e nenhum contato foi feito por enquanto entre as duas partes. O máximo que o MPL conseguiu foi uma declaração do recém-empossado secretário municipal de Direitos Humanos, o ex-senador Eduardo Suplicy, que disse "querer dialogar" com o MPL e os black blocs – e mais uma infinidade de grupos, como imigrantes, LGBT e moradores de rua.
Para o militante do MPL Marcelo Hotimsky, a baixa adesão ocorre porque esses protestos periféricos são recentes. "Não esperamos que o primeiro ato seja imenso. Em 2013, muita gente veio reclamar com a gente que não tinha dinheiro para pegar o ônibus para ir até o centro. Então, fazendo [os atos] na periferia no horário de volta do trabalho, você consegue fazer com que as pessoas do bairro vejam que a mobilização não é só uma coisa de estudantes, nem uma coisa só do centro", afirmou o Hotimsky. A estratégia também tem o objetivo de conseguir o apoio dos trabalhadores, que não têm direito à tarifa zero anunciada pela prefeitura e o governo do Estado para os estudantes de baixa renda. De olho na mobilização que outros grupos, tradicionalmente ligados à periferia, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), conseguem, não é incomum ver militantes do MPL puxando músicas do MTST durante os protestos, como "Criar, criar, poder popular" e "Quem não pode com a formiga, não mexe com o formigueiro".
O MPL vem recebendo pressão de outros grupos para acrescentar mais bandeiras aos seus atos, como a crise hídrica, com o intuito de atrair mais gente às manifestações. Hotimsky, no entanto, ressaltou que "o foco" continuará sendo o passe livre no transporte público. "Nós temos um movimento com uma pauta específica e, ainda mais neste momento, estamos focados somente nessa pauta", disse o militante. Para esta sexta-feira, foi convocado mais um protesto, desta vez, em frente à sede da prefeitura de São Paulo, no Centro. Os black blocs já confirmaram presença.

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