Aventura contemporânea de ativismo cultural e político-digital

Livro descreve trajetória da rede de coletivos Fora do Eixo, que mobiliza jovens em todo o país. Grupo comemora retorno de Juca Ferreira ao MinC, ‘ministério da utopia’

Poucos dias depois de Pablo Capilé e Bruno Torturra serem entrevistados no programa Roda Viva, da TV Cultura, em agosto de 2013, o jornalista, escritor e pesquisador Rodrigo Savazoni terminava de escrever o livro Os Novos Bárbaros – A Aventura Política do Fora do Eixo (Editora Aeroplano, 264 págs.), sobre a trajetória desse fenômeno político-cultural que nasceu no início dos anos 2000. Colaborador da Rede Brasil Atual e da Revista do Brasil, Savazoni percorreu o que ele chama de “aventura contemporânea” na tentativa de descrever e compreender o Fora do Eixo (FdE), uma rede de coletivos culturais e de ativismo político-digital que ganhou notoriedade no Brasil nos últimos anos.
Resultado de dissertação de mestrado na Universidade Federal do ABC, Savazoni conta a saga de jovens vindos das periferias e do interior do país que começaram a se organizar em rede e criaram novos espaços de participação popular, de produção e divulgação de cultura e de informação. A rede nasceu em cidades distantes dos polos hegemônicos da produção cultural, e ao longo do tempo passou a navegar por amplos mares: “É um processo que não tem muito precedente no mundo. É uma rede de casas coletivas com caixa coletivo que atua na música, no audiovisual, na literatura, no ativismo, na rede, na rua, é movimento social, é circuito cultural, é comunidade, as pessoas moram juntas, tem moeda própria, tem universidade, tem banco... Não é um movimento comum, nem simples de se decifrar”, afirma Pablo Capilé, principal porta-voz do FdE, que gostou do livro. “É uma parte da nossa história contada a partir de uma visão de um cara que dialoga com a gente faz muito tempo.”
A política cultural engendrada pelos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira durante o governo Lula é um dos pontos de partida do movimento e, portanto, do livro de Savazoni. Não é à toa que o prefácio da obra é de Juca, de volta ao ministério, agora para o segundo mandato de Dilma Rousseff. “Acredito que o trabalho de Rodrigo expressa uma qualidade que todo trabalho intelectual rigoroso necessita ter: ele não simplifica seu objeto para facilitar sua narrativa. A complexidade do Fora do Eixo se apresenta desde o início, e disso o autor nos alerta ao descrever um vídeo em que o próprio coletivo de coletivos afirma ser um vetor de confusão e não de explicação. Ao longo das linhas que se seguem, Rodrigo se dedica a esquadrinhar esse fenômeno, sem se propor a assumir teses prévias sobre ele. Abre assim caminho para que nós mesmos possamos nos arriscar a fazer nossas próprias análises”, resume Juca, no prefácio.
Capilé se diz animado com a nomeação de Juca. “Tenho certeza de que na Cultura vai mudar muita coisa. Depois de quatro anos que foram muito ruins, tanto com a Ana de Hollanda quanto com a Marta Suplicy, a chegada do Juca é um link ‘de volta para o futuro’, será um ministério com capacidade para dialogar, da esquerda, da utopia, que vai dar conta de dialogar com campos diversos, com os indígenas, com o meio ambiente, com a comunicação, com a juventude, com o movimento de moradia, com todos os artistas e as diversas linguagens que os rodeiam”, avalia o ativista, para quem as indicações para o Desenvolvimento Agrário, Secretaria-Geral da Presidência, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos são parte de um time “bacana”, mas que “precisa dialogar, se conectar, precisa criar uma arquitetura de participação para que mais movimentos possam contribuir para o país continuar avançando”.

Complexidade

Assim como o Brasil vivenciou avanços desde o governo Lula, o movimento viveu e vive transformações. Com atuação de difícil compreensão, a rede foi alvo de duras críticas no que diz respeito ao financiamento de suas atividades e às regras de convívio interno. “Se a gente não tivesse mudado o mapa da música brasileira, se não tivesse organizado a Mídia Ninja, não tivesse casas coletivas numa rede no Brasil inteiro, não tivesse apoiado a Dilma, apoiado o Haddad, se não tivesse uma moeda própria, não nascesse gente dentro do movimento que a gente desenvolve e não fosse uma comunidade, nenhuma dessas críticas estaria acontecendo. A gente é uma plataforma que se movimenta o tempo inteiro. Começou na música, virou movimento social, rede de comunicação, criamos um banco interno com moeda própria... É um processo contínuo de aprendizado”, observa Capilé.
Em Os Novos Bárbaros, Savazoni aprofunda a compreensão sobre esse fenômeno e, tomando-o por base, discute também o surgimento das redes político-culturais, um modelo de organização que caracteriza a política no início deste século 21, no Brasil e no mundo, como descreve o autor na introdução. E não se trata de um livro chapa-branca. Assumidamente apaixonado pelo tema, Savazoni explora também as contradições do movimento e deixa perguntas no ar. No posfácio Deus e o Diabo na Era da Cultura Digital, o autor aborda as críticas dos opositores do movimento sobre a relação da rede com governos, partidos, editais públicos e sobre a complexa contabilidade do grupo. Como manda a cartilha do bom jornalismo, Savazoni ouve os dois lados.
No entanto, mais do que a trajetória e o modus operandi do FdE, a obra apresenta uma revolução que está se desenvolvendo na internet e que tem efeitos em todas as esferas de poder. A pesquisadora Heloisa Buarque de Hollanda, curadora do livro, afirma que a obra é a primeira pesquisa séria sobre o poder e as contradições do revolucionário horizonte político e cultural que vem sendo gestado na web. “Do circuito da música aos protestos com novas dicções revolucionárias, o autor examina com cuidado e objetividade o passo a passo da formação do FdE, sua expansão e os debates que suscita na academia, no meio artístico e nas tribos jovens. Uma leitura indispensável para pensar o alcance das políticas e estéticas neste início de milênio”, conclui.

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