A MPC No Funk



RIO - Aconteceu com o DJ Sany Pitbull. Convidado para se apresentar num festival de música eletrônica em Stuttgart, na Alemanha, há três anos, ele dispensou os toca-discos e aparelhos de CDs, e começou a montar sua MPC - misto de bateria eletrônica e gravador - no meio do evento. Entre curioso e sarcástico, um DJ local, que se apresentava antes, perguntou a Sany por que ele estava fazendo aquilo e se ele tinha esquecido os discos em casa. Quando o brasileiro começou a tocar, usando os pads (botões) do aparelho como percussão e disparando os sons mais incríveis nele, tudo mudou, inclusive a posição do queixo do alemão.
- Ele ficou de boca aberta me vendo tocar. No final do meu set, veio dizer: "Você vai agora comigo na minha casa porque eu tenho uma MPC igual à sua e quero aprender a usá-la assim também" - conta Sany, que acaba de voltar de uma nova turnê pela Europa. - No dia seguinte, fui praticamente arrastado para dar umas aulas para ele.
Lançada pela empresa japonesa Akai para ser uma ferramenta de criação em estúdio, a MPC (de Music Production Center) acabou se tornando um dos pilares do hip-hop, graças às suas incontáveis possibilidades de gravar, armazenar e manipular sons, como se fosse uma banda de bolso. No Brasil, porém, a MPC foi além do seu uso em estúdio e do que dizia o seu manual. Graças à curiosidade e à criatividade dos DJs e produtores, ela ganhou o status de instrumento e passou a ser usada como uma percussão eletrônica nos bailes funk, gerando, entre outros ritmos, o famoso tamborzão.
Responsável pela evolução do funk e transformada em ícone do estilo - os designers Breno Pineschi e Rafael Cazes fizeram seus pads virarem minitorradas num comercial de um suco de laranja -, a MPC entra agora numa nova era. Além de aplicativos para iPad (o mais recente deles feito no Brasil pelo próprio Sany) que permitem que ela seja simulada nos tablets, abrindo um leque de possibilidades e atraindo novos usuários, o aparelho ganha força para além dos bailes e do próprio funk - caso de músicos como Pedro Bernardes e João Brasil.
- Tem muita gente nova, de fora do funk, usando a MPC tradicional para fazer suas montagens em casa - conta John Woo, do Apavoramento Sound System e produtor das festas Shake Your Rampa e Uh, o Baile é Nosso. - E agora a chegada dela aos iPads abre novas portas para seu uso, como a reprodução de sintetizadores e outros sons.
- São tantas coisas que dá para fazer a partir de agora que nem dá para imaginar qual vai ser o limite - conta Cabide DJ, craque da MPC e pioneiro do seu uso nos iPads. - Uso um iPad há pouco mais de um mês, mas já sinto uma grande diferença. Não há fios, dá para tocar no meio da galera. E os aplicativos são incríveis.
Num concorrido vídeo que circula no YouTube, Cabide mostra suas habilidades no aparelho e no iPad também. A partir deste mês, ele vai ganhar um reforço no seu arsenal: o aplicativo iFunke-se, criado por Sany em parceria com a Red Bull. Contando com as participações de MCs e DJs como Emicida, Renegado, André Ramiro, DJ Nino, DJ Zé Brown e Funkero, o programa transforma o iPad numa MPC digital, a partir de experiências feitas pelo grupo no estúdio do AfroReggae, em Vigário Geral.
- Além desse aplicativo, estou produzindo um vídeo para a internet no qual ensino como usar uma MPC no estilo funk carioca - explica Sany. - Afinal, aqui no Brasil mudamos a forma de usar a MPC. Nada que os DJs de funk fazem tem no manual dela. Desenvolvemos uma técnica diferente, sem mudar nenhum dispositivo sequer. Nem o pessoal da Akai sabe fazer isso.
A MPC foi criada, na verdade, pelo engenheiro americano Roger Linn, para a Akai, na segunda metade dos anos 1980. Os timbres dos primeiros modelos podem ser ouvidos em discos de Prince, Michael Jackson e Gary Numam. Aos poucos, o aparelho passou a ser adotado por artistas de hip-hop. "Muitas batidas e nenhum baterista por perto", dizia o título de uma recente reportagem do "New York Times" sobre a MPC. Mas foi no universo do faça-você-mesmo do funk carioca que a criação de Linn foi virada do avesso.
- Quando eu ganhei a minha primeira MPC, no final dos anos 1980, fui mexendo nela no ônibus mesmo, até chegar em casa - lembra o DJ Marlboro, um dos primeiros a usar a MPC nos bailes. - Ela mudou a história do funk carioca. Uso MPC até hoje e já tenho uma no iPad também.
Se nos EUA novos DJs de hip-hop, como Araabmuzik, Divinci e Exile, seguem os passos de veteranos como DJ Shadow, Craze e RJD2, adaptando a MPC aos tempos atuais, por aqui, festas como Shake Your Rampa e Uh, o Baile é Nosso - a próxima edição acontece no Circo Voador, no dia 22 deste mês - têm na MPC o elo de ligação de artistas de funk (como Alex MPC, Batutinha e Grandmaster Raphael) e de outros estilos (como John Woo e Pedro Piu).
- É um aparelho meio mágico - diz Woo. - Lembra um tabuleiro Ouija. O espírito da música parece entrar nele através daquelas teclas.

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