Lagoinha ganha requalificação urbana protagonizada por pinturas e grafites

Onze artistas foram convidados pelo Cura a promover intervenções artísticas em imóveis e muros do bairro

Cenário permeado por barracos e casas humildes, alguns com alvenaria em tijolos aparentes, o bairro Lagoinha virou uma grande tela. Munidos de pincéis, sprays e até mesmo colher de pedreiro, artistas e grafiteiros passaram dias imersos nas ruas, muros e imóveis da região e enfeitaram a linha do horizonte com suas ilustrações. A paisagem agora é outra.
Maltratado ao longo do tempo e com importância inquestionável na formação da cidade, ao longo dos anos o bairro entrou para o imaginário popular como reduto de usuários de drogas, e chegou a ser carimbado com a alcunha de “cracolândia”. Mas os moradores querem apagar esse estigma que limita as potencialidades dali.
A chegada do Cura ao local compartilha desse objetivo. O Circuito Urbano de Arte já é conhecido pela turma do grafite desde 2017, quando as curadoras Juliana Flores, Priscila Amoni e Juliana Macruz conseguiram viabilizar a pintura de paredões de prédios do centro, que podem ser vistos do mirante da rua Sapucaí, no Floresta.
As imagens pipocam pelas redes sociais, mas era preciso mais do que a observação passiva dos grafites. Convidada neste ano para ser a curadora do Movimento Gentileza – ação social encabeçada pela primeira-dama de BH Ana Laender, que é arquiteta e entusiasta de arte urbana –, Flores se infiltrou numa ação de grafitagem que envolveu as ruas da Lagoinha em maio. “Ali, percebi que não bastava só pintar. É toda uma requalificação urbana. Tem que pensar no legado que queremos deixar na cidade”, reflete.
Foi assim que o Cura teve sua atuação ampliada. O resultado alcançado na Lagoinha já é perceptível. Um lixão adorado por moscas que zanzavam pela rua Diamantina foi transformado num mirante. O local é uma das maiores apostas da ação cultural, que pretende estabelecer no local um ponto de fruição constante. O paredão de 15 metros de altura repleto do bolinho<CW0> grafitado em toda a cidade – Raquel Bolinho, sua criadora, estima que sejam mil deles espalhados pela capital – transforma a lateral do edifício residencial em uma verdadeira moldura. “Sem dúvida nenhuma a arte transforma vidas, e, no caso do muralismo, ela transforma espaços”, avalia Ana Laender.
Outros grafites enfeitam os arredores, que vem recebendo atrações culturais ao longo da semana. O encerramento da programação do Cura acontece hoje, com atrações que ocupam todo o domingo, entre elas uma feira de gastronomia local (das 10h às 22h); show do grupo de pagode Os Neguinhos, da Pedreira Prado Lopes (às 16h) e lançamento do disco “Noite de Estreia”, de Lucas Fainblat e Vini Ribeiro (às 18h).
Segundo Flores, foram lideranças comunitárias que convidaram o Cura a agitar suas latas de spray na região, e por isso alguns dos 11 grafiteiros que participam da edição têm alguma relação com o bairro. Caso de Zé Dnilson, um pedreiro conhecido na Lagoinha que nos últimos anos começou a se arriscar em fazer texturas com argamassa. O resultado é criativo e admirável. Até mesmo o bolinho de Raquel tem sua ligação afetiva com a Lagoinha. Foi no bairro que a ilustração foi realizada na rua pela primeira vez.
Para que a vontade de colorir aquele ambiente antes afeito ao cinza do complexo de viadutos, era importante ter parceiros. O patrocínio da cervejaria Wäls resolveu parte dos problemas, e a atuação da prefeitura e do Movimento Gentileza somaram esforços, com o cuidado de não causar gentrificação e nem incentivar a especulação imobiliária. “Temos uma conexão estreita com a prefeitura, pois uma ação como essa demanda reforço na limpeza urbana e questões de infraestrutura”, explica Flores. A articulação eficaz, especialmente envolvendo o Movimento Gentileza, resultou ainda na instalação de guarda-corpo e gramado no mirante. Para incentivar a convivência na rua Diamantina, a via passou por alteração de velocidade máxima, que passa a ser de 30 km/h, e deve receber mensalmente cama elástica e piscina de bolinhas do projeto Rua de Lazer. “Esperamos que as pessoas continuem ocupando a rua”, diz Flores.
O futuro do grafite
O Movimento Gentileza, que promove intervenções urbanas e sociais em Belo Horizonte, prevê suas próximas ações nas regiões Leste e Oeste. Já o Cura pretende uma edição na rua Sapucaí ainda neste ano, e chegar a outras regiões da capital mineira é um sonho das curadoras.

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